“Eu detesto física!” Quantas vezes você já ouviu essa frase?
Talvez você mesmo já tenha dito isso!
De qualquer modo, é fato que muitas pessoas (confesso que me assusta pensar que pode ser a maioria) têm aversão pelas matérias ligadas às ciências, como física, química, biologia, matemática e todas as “derivadas”.
O que assusta nesta constatação é saber que o desenvolvimento de qualquer país, para ser solidamente construído, depende das carreiras de ciência e tecnologia. Não se constrói um país de primeiro mundo apenas com jogadores de futebol, jornalistas, filósofos, advogados, sociólogos, antropólogos, políticos, economistas, artistas e outras carreiras de humanas. Certamente essas são carreiras essenciais para o cenário completo do desenvolvimento. A nossa própria carreira, como educadores, está contida na área de humanas. Contudo, a transformação de conhecimento em produtos de alto valor agregado, incentivando a pesquisa, as inovações, a geração de empresas e empregos no país, precisa necessariamente de um percentual expressivo de profissionais da ciência e da tecnologia. Precisamos de engenheiros, físicos, químicos, biólogos, médicos, etc.
Mas o fato é que definitivamente existe uma aversão dos jovens pelas aulas de ciências! E essa ideia, carregada e ampliada ano após ano no ensino fundamental e médio, gera menos optantes pelas carreiras de C&T no ensino superior!
Temos um problema nas mãos que potencialmente, em escala nacional, pode comprometer o próprio desenvolvimento do país em futuro próximo. Aliás, esse efeito de falta de interesse pelas carreiras de C&T também aconteceu aqui nos Estados Unidos, o que incentivou a criação imediata dos programas STEM (Science, Technology, Engineering, and Math), que trouxeram mais dinâmica e interesse para a educação nessas áreas.
Como todo problema, devemos começar pela reafirmação do objetivo, depois pela identificação dos fatores contribuintes para a deficiência e, finalmente, pelo desenvolvimento e aplicação de ações corretivas (soluções).
Nosso objetivo é aumentar o interesse dos alunos pelas aulas relacionadas às ciências e, assim, contribuir para uma maior procura pelas carreiras de C&T. No momento temos o fato da aversão dos jovens pelas matérias de ciências.
Certamente fazem parte dos fatores contribuintes para o problema observado: pouca divulgação científica nos meios de comunicação, desprestígio da carreira de professor, o que contribui para o despreparo desses profissionais nas áreas da ciência, especialmente daqueles que trabalham na formação básica, e a falta de ferramentas e métodos mais adequados para apresentar os assuntos relacionados às ciências nas salas de aula, laboratórios... e fora deles!
A solução para esse problema pode passar por diversos caminhos e estágios, e faz parte de longas e frequentes discussões hoje em dia. Portanto, o que apresento aqui são apenas algumas considerações para “colocar lenha na fogueira” das ideias e contribuir de alguma forma para atingirmos o nosso objetivo. Essas considerações foram levantadas durante os estudos para implantação de programas de incentivo à ciência no ensino fundamental da Fundação Astronauta Marcos Pontes.
Inicialmente, observe que não são necessários equipamentos caros ou métodos complexos para ganhar o interesse dos jovens por algum assunto de ciência e tecnologia.
O professor tem, como sempre, enorme influência no processo.
O estilo de aula baseado na transcrição de teoria e equações no quadro negro, mesmo acompanhada de músicas ou outros “recursos de memorização”, pode funcionar para provas de vestibular, mas não é nada eficiente para o aprendizado. É preciso fazer o assunto (incluindo as equações) sair do 2D no quadro para o 3D na vida e nas mãos dos alunos. O assunto tem que ganhar “corpo”, justificar sua existência e limites como teoria que tenta modelar princípios e fenômenos naturais do dia a dia. Cada parte de uma equação, cada conceito envolvido, tem uma história por trás, uma razão de ser, uma possível emoção a ser associada, e isso é mais relacionado com a nossa vida do que livros e expressões matemáticas.
“A imaginação é mais poderosa que o conhecimento”. Isso foi dito por alguém de grande sabedoria. Podemos complementar com “A imaginação é parte essencial da motivação para o conhecimento”.
Observe que a imaginação é ligada às duas emoções que estão na raiz da motivação de todas as nossas atividades: o medo e o prazer. A imaginação é ligada ao medo quando percebemos uma “necessidade” e precisamos “imaginar” alternativas, e ao prazer quando buscamos maneiras de vencer os desafios para saciar nossa “curiosidade”.
Interessante! Se juntarmos essas ideias aos fatos de que sempre aprendemos por associação, de que a emoção intensifica as associações e de que encontrar prazer frequentemente na mesma atividade gera hábito, podemos começar a encontrar maneiras de transformar o aprendizado de ciências em algo mais prazeroso, interessante, marcante e frequente na vida dos alunos.
Já que o medo atrapalha o aprendizado amplo, pois focaliza a atenção e inibe a extrapolação de conceitos (ninguém aprende realmente sob pressão, e cada um aprende à sua maneira), talvez a chave que procuramos esteja na “curiosidade”. Note que a curiosidade, acompanhada de desafios vencidos, gera prazer, que gera imaginação, que gera mais curiosidade, que gera mais prazer a cada descoberta... e assim por diante. Isso! É bem possível que esse ciclo gere o hábito bom pela pesquisa que, em última instância, conduzirá o aluno à busca pelas carreiras de C&T!
Mas como gerar curiosidade?
Novamente: o professor tem, como sempre, enorme influência no processo. Contudo, não se esqueça que temos três “níveis” ou “tipos” de matérias relacionadas à ciência e tecnologia: 1- Ferramentas, como matemática, desenho técnico, desenho artístico, história da ciência, metodologia científica, etc.; 2- Conhecimento básico, como física, química, biologia, etc.; 3- Aplicações, como eletrônica, aerodinâmica, neurologia, meteorologia, programação, agronomia, etc.
Já notou como a maioria dos jovens “vivem” tecnologia (aplicações) e aprendem rapidamente como usá-la (mesmo sem ler o manual)? Já notou como parte da motivação vem do prazer de “descobrir” e compartilhar com os amigos, como maneira de afirmação emocional? Tudo isso pode ser usado!
Observe que as matérias ligadas às aplicações, incluem sistemas e equipamentos “legais” de montar, desmontar e operar, como rádio amadores, robôs, sensores, etc., que são todos multidisciplinares com relação às matérias de conhecimento básico e ferramentas. Então... somando tudo isso...
Talvez pudéssemos incentivar mais a criação de clubes, competições e feiras de ciência; talvez pudéssemos colocar mais nas mãos dos alunos os desafios de construir, aperfeiçoar e modificar algumas dessas “aplicações legais”, mesmo de forma rudimentar e sem a base de conhecimento completa; talvez pudéssemos incentivar mais a utilização dos recursos de pesquisa (incluindo os professores, livros e internet) para acharem suas respostas e soluções para vencer seus desafios; talvez pudéssemos nos preparar melhor e fazer as “conexões” corretas com as matérias e histórias “por trás” das equações e conceitos à medida que nos procuram para suas soluções; talvez pudéssemos inverter a direção usual: em vez de sair do quadro para o laboratório, sair do laboratório para o quadro.
Talvez pudéssemos? Não! Nós podemos! E felizmente já vejo muitos educadores fazendo exatamente isso. E você? O que tem feito?